Pornografia: histórico e vertentes

Em discussão sobre o conceito de pornografia, professor convidado Jorge Leite Jr. trouxe uma visão da pesquisa e aprofundou o pensamento do filósofo Paul Preciado.

Professor Jorge Leite Jr., convidado dos debates do NEPeTeCS sobre Sopa de Wuhan

A partir de debates sobre “Sopa de Wuhan”, obra que reúne ensaios de diversos filósofos para pensar o problema mundial da pandemia, sob variadas perspectivas, uma das principais questões recai sob o conceito de farmacopornografia. A definição é apresentada por um dos principais intelectuais da atualidade, o filósofo Paul B. Preciado.

Por conta disso, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tecnologia, Cultura e Sociedade (NEPeTeCS), coordenado por docentes da Área de Ciências Humanas do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE), recebeu, em um encontro on-line, o Prof. Jorge Leite Jr., do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pesquisador do tema.

O ponto de inflexão esteve na possibilidade de, no artigo do filósofo para a coletânea sobre a pandemia, haver um lado um pouco mais moralista relacionado à pornografia. Pode dar margem para interpretação com um tom mais pejorativo, enquanto em sua própria obra “Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica”, a relação se apresenta de forma mais ambígua. A pornografia é mobilizada como resistência.

“Nos últimos tempos, sempre que falo sobre o tema, trago o termo pornografia para a discussão. É da nossa cultura midiática e talvez até, podemos chamar de senso comum. Está aí flutuante livre e que cada grupo acaba atribuindo um sentido específico para ele e materialidade. Cada um grupo usa pornografia para classificar segundo suas visões e projetos”, lembra Leite Jr.. A gente tem que tomar cuidado sempre quando vai se pensar e discutir pornografia no sentido acadêmico do termo, pra não cair no moralismo estadunidense que coloca qualuqer imagem no espaço público de nudez e sexo dentro de pornografia. É o que rege a discussão no mínimo no ocidente inteiro.

A função social, portanto, passa a ser questionar estes pressupostos. A pornografia passa a ser uma forma de classificação e não mais uma obra em si, uma música, um filme, um livro, uma escultura. As pessoas e grupos passam a usá-la para classificar determinados produtos de acordo com valores morais e éticos. “A partir da modernidade, tem início, no espaço público, a partir do século XVII, uma renovada no campo da imprensa, do cinema. Aparecem discursos sobre sexualidade e gênero. O que se apresentava trazia nudez, praticas sexuais, corpos realizando atos sexuais, associados ao universo da sexualidade. E esse tipo de discussão irrompe mais fortemente no espaço público”, explica o estudioso do assunto.

Segundo Leite Jr., para classificar esse tipo de discussão surgem as categorias erótico e pornográfica. Trata-se de classificar obra ou discurso de sexualidade que vai a favor dos valores desse grupo, ou seja, o grupo concorda com aquela discussão/representação da sexualidade e o termo usado socialmente é erotismo. Mas, quando agride, ofende, incomoda, vai contra os valores daquele grupo, o termo usado para classificar essa representação ou discurso é pornografia. Essa separação serve como hierarquização de discursos sobre sexualidade.

Paul B. Preciado, portanto, cria o conceito de farmacopornografia a partir de reflexões sobre Jacques Derridá, Michel Foucault, Gilles Deleuze. “É possível perceber que ele vai desenvolver como substituto aos conceitos de pós-modernidade, modernidade líquida, sociedade do risco”, diz Leite Jr.. O fármaco associado a nossa cultura, sociedade moderna ocidental capitalista contemporânea indissociável das drogas legais e ilegais. A sociedade e cultura que mais se droga na história do mundo. E esse uso de substâncias químicas, legais ou ilegais, terapêuticas ou recreativas, moldam a nossa subjetividade.

Não temos como, hoje em dia, pensar o sujeito ocidental sem antidepressivos, remédios para controle de déficit de atencão sem a enorme quantidade de remédios para “disfunções sexuais”, sem as substâncias recreativas (ecstasy, bebida alcoólica do almoço de família). Não existe, portanto, a subjetividade ocidental moderna sem substâncias químicas. Elas são a nossa subjetividade. É pensar a nossa subjetividade por meio da lógica médica de moléculas. Acreditar que independente de tomar algum remédio ou não, acreditar que a causa da sua depressão é falta se serotonina no cérebro.

Já o pornográfico, conforme Paul B. Preciado, está ligado à quantidade de imagens e ao universo midiático. São discursos relacionados à sexualidade, gênero, focados no corpo e no prazer. Quando ele fala da questão do pornográfico não está se referindo somente aos filmes pornôs, na pornografia stricto sensu. A lógica da pornografia é que rege toda a indústria midiática.

Dentro do começo do século XX é fundamental a ideia de colocar no espaço público, de expor para qualquer um, a nossa intimidade. Em especial a intimidade corporal e afetiva. Mostrar não só a nudez, mas os detalhes do corpo. Daí uma das características fundantes e fundamentais da pornografia os closes genitais. Aquilo que era restrito ao universo do privado, tanto o seu corpo quanto suas práticas sexuais, colocar no espaço público. Imagem para qualquer um ver a qualquer hora. Lógica fundante e fundamental da pornografia em todos os campos da nossa vida e para a mídia.

“O Facebook é um exemplo gritante. Acha que alguém se importa com sua comida, onde está, o que fez, quem são seus amigos. E mesmo assim as pessoas publicam. Colocar a nossa intimidade, o pessoal, para o espaço público. Esse é o coração da ideia de obsceno. É o que está fora de cena. A pornografia é a obscenidade, isto é, coloca em cena aquilo que era esperado que estivesse fora de cena. Coloca o privado no espaço público. Vale para mostrar seu aparelho genital ou sua prática sexual, até tirar foto da comida que vai comer, como se alguém quisesse saber sobre isso”, pontua o pesquisador. A lógica do farmacopornografia é, portanto, muito maior do que só a pornografia em si. É mostrar como a dialética midiática da pornografia rege o nosso ser e estar no mundo.

O NEPeTeCS realiza estudos e pesquisas interdisciplinares que analisam as relações entre a tecnologia, a cultura e a sociedade, e aprofundam a compreensão das implicações sociais, políticas e éticas relacionadas ao uso da ciência-tecnologia. Desenvolve análise das abordagens contemporâneas das novas tecnologias de comunicação; do acesso ao conhecimento e do debate da inclusão digital; e também estudos sobre o papel da tecnologia nas relações socioeconômicas, bem como sobre políticas de mudanças tecnológicas e seus impactos sobre a cultura.

Algumas referências bibliográficas

CERTEAU, MICHEL. Invenção do cotidiano Vol. 1: Artes de fazer: Volume 1. São Paulo: Editora Vozes; 22º edição (1 janeiro 2014), 320 páginas.

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Pornografia: histórico e vertentes

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